segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Gólim

Sertão adentro nos Gerais, conheci um Sabiá que bebia mais do que o dono, o mulato Antonil. Pela manhã Antonil colocava na gaiola alpiste e três copinhos de cachaça. O Sabiá forrava o pequeno estômago e bicava da água benta, cada uma de procedência diferente. A vizinhança dizia que ele ignorava cachaça ruim. Com o tempo a notícia foi se espalhando, no remendo que o povo faz dos fatos. Então os produtores da região passaram a levar amostras pro passarinho indicar qual estava de bom agrado para o trago. Se o resultado fosse negativo, encostava a cabecinha no copo e derrubava-o. Se lhe comprazia no paladar, arrepiava as penas, rodopiava no puleiro e com o papinho esquentado arrumava cantoria bonita. Juntava um povão pelas calçadas pra ouvir aquele canto diferente. Até o hino do Brasil o danado entoava. Depois tramaram de roubar o Sabiá do Antonil. Queriam fazer dinheiro à custa do bicho. Desgostoso despachou em soltura o Sabiá. Ainda ficou pelas redondezas um bocado de tempo, e a cidade toda querendo prendê-lo. Tempos depois que se teve notícia, ele apareceu numa praça de Belo Horizonte. Por lá ficou mesmo até morrer. Mas sem perder a fama. Ficou conhecido nos bares da cidade. Pousava no ombro dos bêbados a espera daquele golim. Assim o batizaram na capital:"Gólim"


historieta narrada por (estradeiro-mor de vereda acima)

2 comentários:

Carolina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carolina disse...

A trajetória do Golim é de fato emocionante: o passarinho talentoso que é ameaçado pela ambição dos humanos. Sem contar que não é qualquer dom o do Golim, ele sabe das coisas.
Eu não conheço muito de animais. Minha mãe nunca me deixou ter cachorro, tartaruga, papagaio etc. Uma vez, de tanto que eu insisti, ela acabou comprando um peixe. Minha carência animal era tão grande que eu cheguei mesmo a ficar empolgada com o beta que eu ganhei. Batizei o pequeno de Xurumela, já que meu finado avô costumava chamar todos os netos dessa forma. Minha felicidade não duraria muito. Em menos de um mês, descobrimos que o peixinho viera moribundo da loja e carecia de cuidados. Compramos então um remédio que custou mais caro do que ele próprio, tudo em vão. Xurumela já não comia, nadava abatido. Um dia acordei e, como de costume, fui ver como ele estava. Ao mirar o aquário, encontrei o peixe com as nadadeiras espetadas, como se tivesse levado um choque. Fiquei muito triste, quis providenciar um enterro digno para o pobre. Minha mãe, que sempre foi mais realista e objetiva do que eu, lançou Xurumela na privada: uma só descarga foi suficiente para que nos separássemos para todo o sempre. Muitas pessoas diriam que o meu Xurumela era apenas mais um beta condenado ao anonimato, a uma vida sem grandes feitos, para min ele foi o meu primeiro e único animalzinho.