quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Juca Bananeira, o amigo da onça.

Aqui no Vale do Sumidouro, cabra bom não fraqueja na mira, nem ajoelha. Deita cutia, capivara e tamanduá com bala certeira. Tinha um tal de Juca Bananeira na Vila do Açum, pouco honrado de caça, mas que ficou conhecido por tudo que é gente daqui da redondeza por amigar com onça pintada. Naquela tarde, o sol despejava vermelho forte no horizonte, e o Juca, lá, audacioso: firme nos passos. Nas vestes aquele chapelão de couro e camisa cáqui na cor. Por debaixo, pendurava embornal, cantil, cartucheiras duplas e parabélun na mão. No traje, caçador, mais hábil não se tinha notícia. A contagem da caça, até então, só tatus e as urutus que atrapalhavam nas andanças. Vinha ele, mais veludo, seu cachorro. Cão velho, cego e surdo duma orelha, só farejava formigas aquelas alturas.
Conta o Bananeira, que depois de passar a roça do Bitú, veludo empinou o rabo feito cão brejeiro. Parou à beira da vereda. Barulho, só se ouvia do vento alisando o capim. O Bananeira escondeu-se atrás de duas pedras maiores. As fez de bom esconderijo. Apertava os olhos na direção do veludo. E o coitado lá, imóvel, namorando a moita. Aprumou o gatilho com destreza, tudo assim, nos conformes da esperteza. Certo de que a caça grande, ali moqueada, traria fama desejada lá na Vila. Mas fugiu-lhe o desfecho da vitória. No buriti a frente do veludo, pousou um bando de maritacas despertando sua ira. Naquele estardalhaço dos pássaros, o cervo, escondido escapuliu em disparada.
O Bananeira no que ia despejar toda sua raiva no cachorro, empalideceu: sentiu um bafo quente vindo das costas. Acompanhado dum cheiro de carniça, e aquele o roncar diferente dos trovões. Agachou-se, virou-se trêmulo e viu-se miúdo nos olhos da onça. Ela emperrada no chão, imperial, tête-à-tête com o Bananeira. O bigode de grande que era embaralhava as vistas. Ela fungava nervosa, enquanto, o Bananeira recuperava ar. Decidiu puxar o palheiro do bolso, num ato ajustável de paz, ganhando a confiança dela. Foi quando ascendeu o fumo que ouviu ruído estranho: um miado. Um gato agora lavaria o chão sertanejo numa refrega mortal. Tragou ríspido o palheiro e assoprou ouvindo novo miado. O que parecia improvável dava-se ali. A onça miava a cada vez que o Bananeira puxava o fumo. Sabia ele da frouxura de cabra, agora um diabo de onça frouxa não tinha visto ainda.
Percebeu logo que não era parte de frouxura da onça. Durante a trilha deixou no chão rastro do fumo. Vinha ela o seguindo atraída por aquele aroma. Desvendada suas intenções julgou a onça de boa estirpe. Propôs aliança mais ela. Ofereceu seu tabaco em acordo de paz. E por um instante, o Bananeira esquivou-se impressionado com o trago felino. Via-se somente a ponta flamejante na boca da onça arrodeada pelo fumaceiro de chaminé que saia do focinho. Não tardou ela arriar ao lado dele mais veludo. Passaram os três aquela noite encostados nas pedras. Fumando os dois, na sela de amigos longínquos. Admirando a noite de luar pontuada por vaga-lumes.


historieta narrada por (estradeiro-mor de vereda acima)

Um comentário:

hellen disse...

Se me permite tomar posse...
Esse Juca Bananeira, eu conheci. Tinha um irmão, o Zé do Melão. Cabra bom, de boa índole, embora não soubesse o significado disso, dizia-o. Mas diferente do Juca, o Zé se borrava de medo de caça. Qualquer coisa que o fizesse lembrar de animal, ele já saía se tremendo e se contorcendo. É que uma vez, enquanto ele andava com veludo pela horta herdada do Seo João da Verdureira, seu pai – que Deus o tenha - , ouviu um tiro, um grito e um gemido; logo em seguida, outro tiro. Entrou na floresta que cercava a casa e encontrou Tião, seu primo, exímio caçador de lobisomem, caído no chão, todo esculhambado; morto. Em meio ao desespero, entre as árvores, do outro lado, viu um lobisomem ensangüentado, com uma arma na mão – donde saiu a bala que tava dentro do Tião - sendo tratado por uma cadela de bom coração. Depois desse trauma, Zé do Melão nunca mais confiou em animais – nem em homens com barba e cabelo por cortar – nem mesmo veludo ficou mais sob seus cuidados...
O negócio do Zé são mesmo as raízes e os frutos de sua horta, donde todo dia de manhã sai o almoço com Dona Jandira e as folhas de fumo pro Juca da Bananeira.